"Depois de tudo o que fez ainda vai rir para o tribunal"

Radovan Karadzic vai defender-se a si próprio em tribunal.<br />
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"Olhem para ele, depois de tudo o que fez, ainda vai agora para o tribunal rir", diz Sabra Mujic, uma das muitas mães de Srebrenica, que ontem assistiram pela televisão à primeira comparência de Radovan Karadzic perante o Tribunal Penal Internacional para a ex- Jugoslávia.

"É pena que não nos deixem ir a Haia, para que o interroguemos olhos nos olhos", prosseguiu aquela mulher de 48 anos, que a AFP encontrou, em Serajevo, na sede de uma associação de mães que perderam os maridos e os filhos no massacre de Julho de 1995.

Apelidado de genocídio pelo TPI ex-J, Srebrenica é um dos crimes pelos quais o ex-líder dos sérvios da Bósnia é acusado, tendo ontem sido apresentado a um juiz. Nesta primeira aparição pública em mais de uma década, Karadzic, preso em Belgrado, a 21 de Julho, surgiu de barba cortada, fato e gravata, quatro folhas de papel na mão e sem advogado de defesa.

Aparentemente tranquilo, Karadzic trazia preparada a sua versão dos factos, mas o juiz holandês Alphons Orie deu-lhe dois minutos. Questionado sobre a ausência de advogado nesta primeira audiência respondeu: "Eu tenho um conselheiro invisível e decidi assegurar a minha própria defesa."

Além de indicar que renunciava a um advogado, como fez Slobodan Milosevic, o ex-líder político dos sérvios bósnios, acusado de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, indicou que só pretende declarar-se culpado ou inocente no prazo-limite legal de 30 dias. O juiz agendou nova sessão para 29 de Agosto.

Identificando-se como Radovan Karadzic, nascido a 19 de Junho de 1945 no Montenegro, disse que o seu endereço oficial era em Pale, na república sérvia da Bósnia-Herzegovina, mas que o não oficial era em Nova Belgrado, onde vivia na pele de Dragan Dabic, o médico de barba e cabelo branco que foi preso pelos serviços secretos no dia 21 de Julho.

No tempo que teve para falar, Karadzic queixou-se ao juiz de que foi sequestrado, de que não lhe explicaram bem os seus direitos. "Há irregularidades na forma como fui trazido aqui. Foi detido de forma irregular em Belgrado, fui sequestrado por civis que desconheço, levado para um local que não conheço. Não me leram os direitos e não me deixaram telefonar."

Karadzic foi repreendido pelo juiz na altura em que decidiu afirmar que os EUA o protegeram todo este tempo da prisão. O ex-líder sérvio referiu nomeadamente um acordo que foi feito entre Milosevic e o negociador norte-americano Richard Holbrooke durante a assinatura dos Acordos de Dayton, em 1995, que vieram colocar um ponto final à guerra sangrenta na Bósnia-Herzegovina.

"A minha parte do acordo era retirar-me da vida pública, mesmo literária, enquanto os EUA cumpririam as suas obrigações. Quero demonstrar com isto porque é que estou neste tribunal agora e não em 1996... Tinha medo de perder a minha vida", disse, confirmando as acusações feitas aos Estados Unidos e à NATO por Florence Hartmann, a ex-porta-voz da ex-procuradora do TPI ex-J Carla del Ponte.

Ao assegurar a sua defesa, Karadzic terá direito a um computador com Internet, como aconteceu com o seu mentor Milosevic. O julgamento deste durou cerca de quatro anos e foi transformado num autêntico circo. Encerrou antes de os juízes terem sequer conseguido chegar a um veredicto final: Slobodan Milosevic morreu antes disso.

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